quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Sistema Sócio Jurídico e formação qualificada de Assistentes Sociais: desafio e protagonismo no Recôncavo Baiano


Simone Brandão


O Centro de Artes Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, situado em Cachoeira, cidade do Recôncavo Bahiano, possui oito cursos de graduação: Artes Visuais, Ciências Sociais, Cinema e Audiovisual, Comunicação, Gestão Pública, História, Museologia e Serviço Social.

O Curso de Serviço Social formará no primeiro semestre de 2012 sua primeira turma de Assistentes Sociais. Os futuros formandos puderam, durante sua graduação e a partir da prática de estágio, conhecer diferentes campos de atuação profissional do Assistente Social, dentre os quais, o Complexo Penal de Feira de Santana.

O processo de trabalho de um assistente social no campo da execução penal é árduo e repleto de desafios, especialmente quando se busca no cotidiano implementar o projeto ético político da profissão, o que exige do Assistente Social uma intervenção qualificada.

E o que seria esse projeto ético político da profissão? Seguramente ele diz respeito a um projeto profissional do Serviço Social no Brasil que está vinculado aos projetos societários. Estes por sua vez estão ligados e são determinados pelas práticas sociais, pelas ações dos sujeitos individuais e coletivos, possuindo  intencionalidade e caráter político.

PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL: TROCANDO EM MIÚDOS

As diferentes necessidades humanas, inclusive de autorreprodução da humanidade no mundo prático material,  vão estabelecer, em dados momentos históricos, de forma intencional, as diferentes práticas sociais, com o objetivo de satisfazer tais necessidades.
Essas práticas, sejam elas profissionais, políticas, produtivas, artísticas, a partir do trabalho, vão transformar a natureza e retirar daí os meios precisos para a sobrevivência humana e para a reprodução das relações sociais.

“Tais relações, calcadas no suprimento (na sua busca) de necessidades sociais concretas, envolvem o conjunto das práticas sócio-humanas desencadeadas historicamente” (Teixeira, J; .B. Bráz, M. 2009, p.187)

Se por um lado as práticas sociais estabelecem uma objetivação ou produzem uma materialidade capaz de controlar a natureza e o comportamento dos sujeitos, por outro carregam uma subjetividade ou  projeções individuais e coletivas dos sujeitos que as praticam.

Nesse sentido, é correto afirmar que a prática ou a intervenção do assistente social possui uma direção social que o profissional imprime nela e que irá contemplar diferentes interesses presentes na dinâmica societária, sejam eles ideológicos, políticos, econômicos, culturais.

São, portanto os valores e as diretrizes presentes nas práticas profissionais que, quando coletivizados para uma parcela significativa da categoria e absorvidos pela mesma como seu modelo de atuação profissional, vão ser chamados de projeto profissional.

Em uma sociedade capitalista como a que vivemos, que é divida em classes (burguesia e proletariado), qualquer prática e projeto, inclusive a profissional, possui uma dimensão política, ou seja, se dão num contexto de contradições econômicas e políticas próprias de uma sociedade que possui grupos com interesses antagônicos.

Dessa forma o projeto profissional terá uma inclinação, se posicionando e pautando suas intervenções  a partir da identificação com um ou outro segmento social. Essa determinação é política e, portanto, podemos dizer que esse projeto profissional é um projeto político-profissional.

Vinculado a um projeto societário, que pode ser conservador ou transformador, irá, por conseguinte contribuir com o mesmo, mantendo ou transformando o status quo da sociedade.

No caso do Serviço Social no Brasil podemos afirmar sem titubear que o seu projeto ético-político está comprometido com um projeto de transformação societária, já que reafirmamos a todo tempo nosso compromisso com a luta pelo fim da desigualdade e da injustiça social, nossa defesa intransigente dos direitos e nosso comprometimento na construção de uma sociedade emancipada, livre  da exploração de classe, gênero, raça ou mesmo de orientação sexual.

Nesse sentido, o projeto ético político do Serviço Social possui valores que se opõe àqueles vigentes no projeto da sociedade contemporânea e não surgiu de repente, mas vem sendo construído historicamente, sofrendo influências não só do contexto social, econômico, político e cultural da sociedade brasileira, mas também do embate teórico e político no seio própria profissão, com diversos momentos de reações conservadoras.

A consolidação do projeto ético-político da profissão é um grande desafio, sobretudo em campos como a execução penal, onde os direitos são constantemente violados em suas instituições historicamente conservadoras, exigindo ainda mais a qualificação da intervenção profissional que deve ser comprometida com a defesa intransigente dos direitos humanos e a ampliação e efetivação da cidadania.

O SERVIÇO SOCIAL NA EXECUÇÃO PENAL

Historicamente,o serviço social na execução penal teve sua prática à princípio influenciada, como todos os outros campos de atuação da profissão, pela religião católica e possuía uma natureza assistencialista, hoje o campo da execução penal,  exige um constante olhar crítico dinamizado pelas ações  sobre o seu objeto de trabalho.

De outra forma  corre-se o risco de ter uma prática burocratizada, preocupada em deixar as mesas limpas, sem pilhas de papéis ou processos,  preocupada muito mais com “o que se faz” e  do modo como se faz, perdendo de vista o caráter reflexivo do “por quê e para quê” se faz .

É justamente esse questionamento do “por quê” e “para quê” que vai dar qualidade `a  intervenção profissional do assistente social da execução penal, e o chamar para a responsabilidade ético política, evitando que seja cooptado pela cultura prisional, que naturaliza as dificuldades, os entraves profissionais e as conseqüências derivadas do cerceamento do direito fundamental de liberdade e autonomia que os indivíduos possuem.

É importante ressaltar que os assistentes sociais da execução penal também trabalham na custódia dos indivíduos e se a responsabilidade ético política for subjugada à ação puramente técnica, os olhos correm o risco de adquirir a cegueira útil à convivência e conivência com as consagradas formas banalizadas de violações a que esses profissionais se deparam em seu cotidiano profissional e  que causa um grande desalento.

É preciso, portanto, emergir do trabalho de caráter meramente burocrático, enfrentando os grandes desafios de transformar o processo de trabalho do campo da execução penal em que a profissão tem um compromisso inestimável na garantia de direitos e emancipação humana.

Essa resignificação da intervenção profissional do Assistente Social da execução penal exige que o profissional possua competência teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política.

O sistema penitenciário tem como realidade a contumaz violação dos direitos humanos, e ao valorizar a segurança, o encarceramento e  a punição, negligencia os direitos previstos na Lei de Execução Penal e na própria Constituição.

Diante deste quadro, não pode o Assistente Social ser complacente ou  submisso a tais práticas institucionais violadoras ou mesmo assumir uma postura “neutra”.  No âmbito da correlação de forças contraditórias estabelecida na instituição prisional, onde de um lado está o Estado custodiador e seus agentes e de outro a população carcerária, o profissional de Serviço Social precisa se posicionar politicamente diante destas questões, direcionando sua prática que deve estar embasada em valores ético-morais presentes no seu código de ética.

Desse modo o Assistente Social está não só articulando sua intervenção aos interesses de sua população usuária, mas exercendo coerentemente sua competência ético política.

Para ter domínio da competência teórico metodológica em sua prática profissional, o assistente social que trabalha no campo da execução penal deve ainda ter conhecimentos que extrapolem os muros da prisão, ou seja, que ultrapasse o domínio institucional e se articule com a percepção da realidade social, política e cultural que perpassam a matéria com que trabalha.

É preciso para tanto lançar mão de um rigor teórico e metodológico que faça extrapolar o olhar e o entendimento sobre o que está aparente nos fenômenos, compreendendo assim a dinâmica social em sua essência e estabelecendo novas práticas profissionais que dêem conta dessa realidade desvendada para além do que está visível.

Conhecer, por exemplo, a conjuntura política, social, econômica e cultural do país, compreendendo a questão penitenciária, como uma expressão da questão social e reflexo de uma organização societária desigual e excludente que reforçada pela lógica neoliberal recrudesceu o estado penal e reduziu o estado social.

Por fim, é preciso ter competência técnico-operativa, criando e dominando um conjunto de habilidades técnicas que possibilitem a qualificação da intervenção profissional, garantindo o atendimento das demandas da população usuária.

O domínio das dimensões de competências aqui abordadas, e a necessária articulação das mesmas na prática profissional, é um desafio que está pautado no diálogo entre teoria e prática, processo se inicia na formação profissional do Assistente Social.

FORMAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NO RECÔNCAVO

O curso de Serviço Social da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia,  vem cumprindo seu papel formador com excelência, buscado contemplar a necessária articulação entre as competências teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política e promovendo o diálogo entre investigação e intervenção, ação e pesquisa, ciência e técnica a partir da garantia de atividades de pesquisa ensino e extensão, tão necessárias a uma formação qualificada não só de profissionais mas de cidadãos comprometidos com a transformação social, que por sinal é um dos motes da profissão.

Essa preocupação com uma formação de profissionais qualificados e afinados com o serviço social na contemporaneidade se traduz na determinação de possibilitar experiências de estágio, pesquisa e extensão nos espaços sócio ocupacionais do campo jurídico, como já acontece no Complexo Penal de Feira de Santana e nos Centros de Acompanhamento das Medidas e Penas Alternativas.


Nos orgulhamos por ser não só o primeiro curso de Serviço Social em instituição pública de ensino superior do estado Bahia, mas também por contribuir na formação de profissionais com competência para atuar no campo da execução penal, um espaço sócio ocupacional onde se faz extremamente necessária a luta contra injustiças sociais, um espaço  importante, contraditório, que vem nas últimas décadas despontando e desafiando o profissional de Serviço Social na qualificação da sua intervenção.

Dicas Bibliográficas:

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1997.

GUINDANI, Miriam Krenzinger A. Tratamento Penal: a dialética do instituído e do instituinte. In: Serviço Social e Sociedade. Ano XXII, nº 67, 2001:39-51.

SIQUEIRA, Jailson Rocha. O trabalho e a assistência social na reintegração do preso à sociedade. In: Serviço Social e Sociedade.Ano XXII, nº 67, 2001:53-75.

SOUZA, Simone Brandão. Criminalidade Feminina: trajetórias e confluências na fala de presas do Talavera Bruce. ENCE/IBGE, 2005. Dissertação.

TEIXEIRA, Joaquina Barata, BRAZ, Marcelo. O Projeto Ético Político do Serviço Social. In:Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.

TORRES, Andréia Almeida. "Direitos Humanos e sistema penitenciário brasileiro: desafio ético e político do serviço social".In: Serviço Social e Sociedade.Ano XXII, nº 67, 2001:76-92.
WACQUANT, Loïc. As prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.: 2001.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

VAMOS PASSEAR NO BREGA ENQUANTO A POLÍCIA NÃO VEM: PROSTITUIÇÃO E SEGURANÇA PÚBLICA EM CACHOEIRA

SIMONE BRANDÃO SOUZA

Mais uma vez Cachoeira vira notícia de jornal e, como nas matérias anteriores do mesmo veículo, o Correio da Bahia, não é motivado por sua rica cultura, mas pela declaração da polícia de intencionar entrar com uma representação na justiça a fim de fechar os prostíbulos da cidade, ou “bregas” como são mais conhecidos.

Essa decisão, segundo o delegado, não seria fundada no moralismo, mas se justificaria pela “insegurança” gerada na cidade, pois as casas destinadas à prostituição, que todos em Cachoeira sabem a localização, estariam servindo de pontos de encontro e esconderijo para traficantes e de lugar de circulação de delinqüentes.

Seria este mais um capítulo da guerra santa? Os fins justificariam os meios? Que impacto esta medida teria na redução da violência na região ou na captura efetiva de criminosos? Que efeitos ou desdobramentos teriam na vida das profissionais de sexo, que sempre exerceram essa atividade? São questões que não querem e não devem calar!

A prostituição em Cachoeira

As casas de prostituição de Cachoeira existem há dezenas de anos e estão localizadas em rua da antiga zona portuária do município. Ainda no século XIX tinham como clientes, em especial, os viajantes. Nessa época, por ser o último ponto navegável atrás da Baía de Todos os Santos, a cidade tinha o status de entreposto comercial do Estado, o que movimentava bastante as ruas que margeiam o Rio Paraguaçu, favorecendo a instalação ali de cabarés de prostituição.

Aliás, essa associação de zona portuária com área de prostituição, historicamente é percebida de norte a sul do país. Em cidades portuárias a sobrevivência provinha do rio ou do mar e nesses lugares era comum a circulação de pobres, pedintes, prostitutas e marginalizados. Ali também era circulante o dinheiro, que movimentava a economia trazendo o desenvolvimento local.

O desenvolvimento, em geral não acontece sem exclusões, em especial daqueles que são vistos como uma ameaça à ordem urbana, já que se contrapõe à “virtude” e aos “bons costumes” da elite, e por estarem fora das redes mais abastadas se viam, muitas vezes para sobreviver, na necessidade de transgredir normas impostas que objetivavam o controle social.
Esses atores constituíam o centro de interesse da política de limpeza e higienização social que, na busca de sanear os espaços públicos, excluíam de diversas formas pobres, mendicantes e prostitutas que “enfeavam” a imagem das cidades.

Nesse contexto de fins do século XIX e início do século XX, as prostitutas foram alvos preferenciais de uma política moralista e higienista, posto que sua atividade sempre foi repleta de estigmas e preconceitos. Discursos médicos e juristas foram orquestrados e influenciaram na criação de imagens e representações sobre a prostituição, legitimando assim o enfrentamento do poder público a essa questão, pautado na exclusão e criminalização das prostitutas. 

Entretanto, historicamente, nem sempre foi assim...




Prostituição = modo em que as pessoas, 
mediante remuneração, de maneira usual 
comercializam o seu corpo em ato sexual com 
pessoas do sexo oposto ou do mesmo sexo.


Na antiguidade, em algumas civilizações, práticas assemelhadas à prostituição estavam associadas não à venda do corpo, mas à iniciação de jovens na puberdade.

Na Grécia e no Egito esse tipo de atividade sexual na verdade se constituía num ritual, onde as prostitutas eram consideradas sacerdotisas e recebiam honrarias de divindades em troca de favores sexuais, tinha, portanto um caráter místico, sagrado.

Posteriormente, as prostitutas passam a ter um papel político. Seu trabalho, gerenciado pelo Estado, era tributado e enriquecia a elite dominante. Também eram respeitadas e influentes politicamente.   

Num terceiro momento com o Cristianismo, em nome da moral e dos bons costumes as prostitutas passam a ser execradas, em função tanto da moral cristã, quanto da disseminação da sífilis.

Em período ulterior, começa a haver certa tolerância com a prostituição, já que as profissionais do sexo passam a ser consideradas um “mal necessário”, pois assegurariam o funcionamento da sociedade “protegendo” o modelo burguês de família.

Nesta lógica, as prostitutas ajudavam a garantir um padrão de família, onde a união do homem e da mulher muitas vezes não se dava por uma determinação afetiva, mas objetivando afiançar interesses materiais entre as famílias.

Estamos falando de um protótipo familiar, onde o desejo sexual e o exercício da sexualidade e do prazer eram condenados pela igreja, sendo a procriação o propósito maior do casamento. Eram as prostitutas que possibilitavam, portanto, aos homens vivenciar de forma mais livre sua sexualidade, guardando a “santidade” do lar e da esposa.

Nesse contexto social, o corpo da prostituta era entendido como mercadoria e a partir de uma lógica capitalista, tinha valor de troca.

A legislação e a prostituição

No que diz respeito à regulamentação legal das profissionais do sexo, no Brasil a atividade figurou por anos no antigo código penal brasileiro associado à contravenção, entretanto mais recentemente, a partir de 1942 o país adotou o sistema legal abolicionista em relação à prostituição. Nesta lógica a prostituta é percebida como vítima só exercendo a atividade coagida por alguém que a explora e recebe parte do lucro da profissional do sexo.

 Vejam se essa forma de exploração 
 não se assemelha com a lógica de exploração
 da classe trabalhadora pelos empregadores
 no sistema capitalista!!! 


A legislação que vigora neste sistema até os dias de hoje, não proíbe ou pune a profissional do sexo por se prostituir, mas sim o empresário ou agenciador que a “explora”. (Artigos 228 e 229 do Código Penal).

Países como Uruguai, Equador, Bolívia, Alemanha e Holanda adotaram o regime regulamentarista que possibilita aos profissionais de sexo ter garantias trabalhistas legais, desde que cumprindo exigências como exames de saúde periódicos.

Alguns poucos países, entretanto são adeptos do regime proibicionista, caso dos Estados Unidos. Nesta modalidade prostituir-se ou prostituir alguém é ilegal. Os indivíduos não podem decidir ou dispor livremente de seus corpos e de sua sexualidade. É o Estado quem define.

Uma sexualidade que, também na prostituição, não pode ser vista como algo “dado pela natureza”, que está presente no corpo da mulher e que é vivenciado igualmente em épocas e lugares determinados. A sexualidade na verdade abrange processos culturais múltiplos, “como uma invenção social que se constitui historicamente nos inúmeros discursos que regulam e normatizam, produzindo saberes e verdades”. (LOPONTE,2002)

 “Portanto, os significados sexuais e, sobretudo, a própria noção de experiência ou comportamento sexual não seriam passíveis de generalização, dado que estão ancorados em teias de significados articulados a outras modalidades de classificação, como o sistema de parentesco e de gênero, as classificações etárias, a estrutura de privilégios  sociais e de distribuição de riqueza, etc”(Heilborn, 1999)




Hoje no Brasil, a prostituição não é crime, mas a exploração de prostitutas sim. Apesar destas não poderem ser criminalizadas e da categoria ‘profissional do sexo’ figurar na Classificação Brasileira de ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego, o movimento organizado de prostitutas no país ainda pleiteia o reconhecimento legal da profissão, dentro do modelo regulamentarista.

Desde 2003 foi encaminhado para apreciação projeto de lei Nº98, de autoria de Fernando Gabeira, que reconhece os serviços de natureza sexual, garantindo direitos aos profissionais do sexo, entretanto o projeto encontra-se parado. 

Projeto de lei n° 98, de 2003
(Do Sr. Fernando Gabeira)
Dispõe sobre a exigibilidade de pagamento por serviço de natureza sexual e suprime os arts. 228, 229 e 231 do Código Penal.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1° É exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual.
§ 1º O pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual será devido igualmente pelo tempo em que a pessoa permanecer disponível para tais serviços, quer tenha sido solicitada a prestá-los ou não.
§ 2º O pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual somente poderá ser exigido pela pessoa que os tiver prestado ou que tiver permanecido disponível para os prestar.
Art. 2° Ficam revogados os artigos 228, 229 e 231 do Código Penal.
Art. 3º. Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.




Avanços sim, retrocesso não!

Como é possível perceber tem-se avançado no reconhecimento da prostituição como atividade profissional e conseqüentemente na garantia dos direitos das profissionais do sexo no Brasil. O protagonismo dessa luta é do próprio movimento organizado de prostitutas, que vem, através da mobilização da categoria e de ações engajadas nas áreas de educação, saúde, comunicação e cultura promover a cidadania das profissionais do sexo.

O Grupo Davida do Rio de Janeiro e a Aprosba (Associação de Prostitutas da Bahia) são exemplos dessas organizações de profissionais do sexo que contam com a parceria de órgãos governamentais de Direitos Humanos, Saúde, Segurança Pública, Trabalho, Cultura, ONGS e agências nacionais e internacionais de cooperação, além de artistas e organizações privada. Podemos destacar algumas bandeiras da sua luta:




- Assumir a identidade profissional e buscar o reconhecimento da atividade
- Manter o movimento social de prostituta organizado
- Liberdade, dignidade, solidariedade e respeito às diferenças;
- Protagonismo e autonomia
- Valorização da vida e do trabalho
- Rejeição da vitimização
- Direito à cidadania e recusa ao gueto

A guisa de conclusão:

Retomando a matéria jornalística que originou esse artigo, podemos afirmar que a intervenção do Estado, para acabar com a atividade de prostituição em Cachoeira caminha na contramão da história, posto que movimentos sociais e setores públicos, na contemporaneidade, vêm somando esforços para que haja o reconhecimento dessa atividade profissional e a qualificação do debate na sociedade sobre a questão.

Se a polícia tem por função zelar pela segurança e pela garantia dos direitos dos cidadãos, por que não estender tais objetivos a esse segmento da sociedade, no caso as profissionais do sexo, assegurando o exercício da atividade a mulheres que tem na prática sexual o seu único meio de subsistência e que, segundo seus relatos, por estarem tanto tempo inseridas nesse processo de trabalho e não possuírem outra qualificação profissional e levando-se em consideração o preconceito social, se tornam inempregáveis, ante as exigências e seletividade do atual mercado de trabalho.

A inteligência policial, que parece já ter mapeado as rotinas e rotas de criminosos na cidade de Cachoeira, certamente tem capacidade de enfrentar a violência sem reproduzir mais violência, sem excluir ou criminalizar segmentos da sociedade já tão discriminados e estigmatizados historicamente. É preciso ter o cuidado de não se voltar a reproduzir a lógica higienista, na sociedade, em prol do alcance de objetivos, que podem ser atingidos através de medidas mais coerentes, fundamentadas e que não sejam violadoras dos direitos.



terça-feira, 27 de setembro de 2011

DEUS E O DIABO NO RECÔNCAVO: UM DEBATE SOBRE VIOLÊNCIA NA MÍDIA


Simone Brandão Souza[1]


Desde que o mundo é mundo a violência sempre existiu. Nas suas mais variadas formas. Não é uma prerrogativa ou um traço do homem contemporâneo. O viver em comunidade sempre foi permeado por atos de violência, mesmo que essa violência se manifestasse pela necessidade de sobrevivência, como no período pré-histórico onde a hostilidade imposta pela natureza levava os homens a garantirem sua existência, através da violência.

Na medida em que as sociedades vão se complexificando essa violência adquire contornos diferenciados, deixa de ser apenas uma forma de manter a sobrevivência e passa a ser conseqüência da forma como o homem se organiza socialmente.

A fé, professada pelo Cristianismo dos tempos medievais, e seu dogmatismo, ditavam as normas sociais e, através de punições e mortes públicas institucionalizavam a violência, visando à purificação e o castigo exemplar de criminosos ou não, opositores em alguma medida da ordem imposta.

Essa violência que não é só física é também simbólica, vai permanecer presente nas contradições engendradas pela organização da sociedade capitalista, que emerge com o fim do feudalismo e sobrevive ainda nos dias de hoje.

É nessa sociedade de classes, lócus da desigualdade social, que uma grande maioria despossuída dos direitos mais básicos como comida, saúde, trabalho, habitação e educação, vive na pobreza absoluta e uns poucos acumulam riquezas e usufruem das benesses que seu capital pode comprar.

Estamos aqui falando, portanto de outra violência, ou desta com outra roupagem: uma violência que é institucionalizada, que naturaliza tanto a divisão entre riqueza e a pobreza quanto o fosso entre as classes sociais e que não nos deixa perceber a desigualdade como uma condição para manter essa estrutura social vigente.

Neste sentido, podemos afirmar que a violência da desigualdade social é uma conseqüência obrigatória das relações entre os homens para que esse sistema continue a existir. Ela é um produto social e não uma imposição natural ou um desígnio de Deus.

A institucionalização da pobreza, do sofrimento, da desigualdade, da ignorância, do não reconhecimento e do respeito ao outro se dá não porque o homem é mau, mas porque a sociedade é concebida e estruturada de forma a favorecer e estimular a competição, a individualidade, o sucesso pessoal como parâmetros para reconhecimento dos indivíduos, em detrimento da solidariedade entre os sujeitos e do reconhecimento do outro que é diferente, como um também sujeito de direitos.

A violência se torna, portanto, institucionalizada, quando se reconhece a relação de força como uma relação natural e não como uma imposição.

Assim, podemos dizer que as relações entre os indivíduos são tão influenciadas por fatores determinados socialmente e, portanto, externo aos homens, que não se pode relacionar o bem e o mal com os sujeitos, mas com a organização societária.

Fiz essa introdução para mostrar que a violência não se circunscreve à ação individualiza de um homem sobre o outro, mas possui outras formas, é estrutural e institucionaliza à medida em que é produzida e reproduzida nas relações, seja entre os homens, seja das instituições com os sujeitos. O próprio Estado, quando não cumpre com o dever de garantir à sociedade direitos básicos como saúde, educação, segurança também está reproduzindo essa violência.

Então para não se cair no reducionismo, não podemos pensar na violência, ou no enfrentamento dessa violência apenas como uma questão de luta do bem contra o mal.

Digo isso porque, é dessa forma maniqueísta e banalizada que setores da sociedade, em especial parte da mídia, insistem em tratar e discutir a violência.  

A menos de um mês da realização da FLICA, Festa Literária de Cachoeira, um evento cultural importante para a Bahia e que será sediado em Cachoeira, cidade do Recôncavo, localizada a 110 km de Salvador, conhecida por seus encantos arquitetônicos, herança do período colonial e escravagista vivido intensamente nestas terras, e por sua cultura de raízes africanas que tem no samba de roda e no candomblé, algumas de suas maiores expressões, talvez nem tão conhecidas por muitos como mereceria, torna-se notícia por três dias e merece várias páginas de um jornal popular – Correio da Bahia - em função da “descoberta” da existência do tráfico de drogas em Cachoeira.

É importante ressaltar que essa “descoberta” da mídia, não é nenhuma novidade para os moradores de Cachoeira, nem para moradores de outras cidades do interior, que também já convivem com a expansão do tráfico em seus recantos há anos, num processo já observado em estudos nacionais e identificado como interiorização da violência.


De acordo com os dados do “Mapa da violência no Brasil (2010)”[2], estudo que acompanha há cinco edições a evolução da violência no país, baseando-se prioritariamente nos registros de morte violenta por causas externas, identificou-se uma mobilidade territorial dos pólos dinâmicos do fenômeno no país ao longo dos últimos anos.

 Se até 1999 as maiores taxas de violência se concentravam nas capitais e nas grandes metrópoles, nos anos subseqüentes, percebe-se uma estagnação dos números e ato contínuo, um crescimento desses eventos no interior do país.[3]

 O tráfico há muito existe em cachoeira, segundo os próprios moradores da cidade. Por que agora a mídia dá holofotes a ele e destaca a cidade pela existência, em sua comunidade, de um suposto líder/criador de um “comando” que seria responsável pela distribuição de drogas em cinco pequenas cidades do Recôncavo (Cachoeira, São Félix, Muritiba, Conceição da Feira e Humildes), num universo de 417 cidades baianas. O que se quer legitimar com esse discurso? Qual a sua eficácia no combate à violência?

Assim como várias formas de violência foram reinventadas nas diferentes relações sociais ao longo da história, discursos embasados no senso comum, fantasiosos e espetaculistas, que transformam o drama humano em mercadoria rentável para os donos das mídias, recuperam explicações para a violência e as transformam em verdades unívocas, que há muito já foram contestadas, aprofundadas e desmistificadas por estudiosos do tema, como Alba Zaluar, Ignácio Cano, Sérgio Adorno, dentre outros.

Aliás, essas construções narrativo-discursivas que buscam impor univocidade e universalidade, nada mais são do que o exercício da violência simbólica, que Bourdieu (2005) conceitua de “todo e qualquer instrumento – estruturado e estruturante – de comunicação e de conhecimento que contribua para operacionalizar ou legitimar a dominação de uma classe sobre a outra, de grupos ou indivíduos sobre os outros”. (Varjão, 2008). É preciso, portanto desconstruir ou desmistificar essas univocidades.

Desmistificar significa destituir o caráter místico ou misterioso de algo ou alguém e ainda segundo Houaiss, seria desnudar esse alguém, ou algo, daquilo que mistifica, engana ou embeleza de maneira falsa.

Nas matérias veiculadas pelo jornal Correio da Bahia nos dias 20, 21 e 22 de setembro para além de se noticiar que a cidade de Cachoeira abriga tráfico de drogas, estabelece-se uma narrativa sobre a existência de um duelo do bem contra o mal, onde o traficante é o mal e a polícia representa o bem que irá redimir a sociedade.

A matéria que inaugura a série de “reportagens” se ocupa da personificação do tráfico de Cachoeira: o jovem traficante Júnior (27 anos), pardo, origem humilde, que trabalhava como pintor na construção civil, mas ambicionava mais e por isso virou assaltante. Após três prisões, “resolveu” tornar-se “mais poderoso” e criou a facção Primeiro Comando do Interior, “sonho” que acalentava há muito tempo, segundo seu “amigo de infância” e fonte anônima do jornal. O “informante-amigo”, relata ainda que Júnior tinha “vocação para bandido”, que gostava de ler, e uma de suas leituras era Marx (Karl Marx). Este é o perfil traçado pelo jornal, que teve também como fonte o delegado de polícia de Cachoeira que atua a aproximadamente cinco meses na cidade.
Afirma ainda, que o traficante possui o “corpo fechado” em três terreiros de candomblé da região e que teria inclusive feito um “trabalho” espiritual em favor dos orixás contra o delegado da cidade.

A segunda e terceira matérias, veiculadas nos dias 21 e 22/11, mostram o delegado, que é evangélico há dois meses, e sua saga na caça do traficante Júnior. Com poucos policiais ele segue, como diz com suas próprias palavras “ungido e protegido pelo poder de Deus, pois ele está ao nosso lado”. Em ação, na sua “guerra santa” o delegado além de fazer incursões nas comunidades pobres onde Júnior estaria escondido, para prendê-lo, distribui o Novo Testamento para detentos da carceragem e faz palestras nas escolas sobre drogas, abrindo o evento com a saudação: “paz do senhor para os irmãos”.

Mas o estado não é Laico?

De fato ele é laico, ou pelo menos deveria ser e nortear suas políticas e ações pelo marco legal, baseando-se em estudos e investigações confiáveis, pautando-se na ética e no bom senso e não em pré-conceitos, moralismos ou dogmatismos religiosos, que têm legitimado tantas guerras religiosas, ou “guerras santas” países afora, onde imperam o fanatismo e a intolerância religiosa, países em que o Estado não é laico, mas religioso.

E se em países protestantes e católicos, em especial os europeus, durante séculos houve uma preocupação com a influência nefasta do diabo (o mal) no homem e no conhecimento por este produzido, aqui no Brasil, que é tradicionalmente e majoritariamente católico/protestante, esta nunca foi uma preocupação central.

No Brasil, o diabo ou o mal, foi nefastamente associado, muitas vezes, às religiões de raízes africanas e à sua simbologia, bastante difundidas nas classes populares, se bem que integrantes de outras classes também transitassem neste universo. Seus orixás e seus exus tidos como a representação do mal protegeriam todos aqueles que lhes oferecessem presentes, fossem seus protegidos bandidos ou não.

Culturalmente, no Brasil essa fundamentação das religiões de origem afro no diabo, como personificação do mal, não é tão forte. Seguimos assim numa relação de tolerância religiosa, até que não se insufle o desrespeito à liberdade de cultos.

A guerra real que se trava aqui, e que penso, matérias jornalísticas como a que estamos tratando estimulam e legitimam, é a guerra no campo das relações de classe, onde os pobres são vinculados à criminalidade e violência e associados à fonte do mal, derivando daí uma luta entre polícia e pobres, estes últimos quase sempre vistos como bandidos (perigosos).

Essa luta é legitimada pela sociedade que, cega pela onda de medo da violência, apóia as práticas da polícia de perseguir e matar pobres e pretos, personificação da violência e do mal que aflige à sociedade. Os jovens pobres, e mais ainda os pretos, são, portanto discriminados, estigmatizados e considerados inferiores.

A crença das classes populares em orixás, exus e o recurso de tê-los como protetores e de “fechar o corpo”, parecem ajudar a reforçar a lógica de que os bandidos, já que são oriundos das camadas pobres, são pactuados com o mal, e mesmo que não se recorra à questão religiosa os criminosos são, de uma forma geral, tratados pela polícia como o “mal absoluto”. É como se ali, naquele indivíduo não estivesse presente o humano. Se lhe é negada a condição humana, igualmente lhe é negada a cidadania e seus direitos.

A favela seria, portanto o lócus nascedouro do mal, composta por indivíduos sem humanidade: os bandidos, que devem mais do que combatidos, ser extirpados da sociedade. É essa lógica que associa a pobreza à violência, noção encampada pelas classes sociais mais abastadas, estabelecendo uma relação hostil entre classes e legitimando a prática de extermínio policial das classes pobres.

A lógica da separação do bem e do mal, tendo o bandido como o lado mau, reforça neste seu comportamento “anti-social” o seu papel de bandido. Sem lhe dar opções, cumpre-se o que já se previa sobre o futuro daquele indivíduo. Como afirma Zaluar “as acusações feitas sem nenhum rigor pela lei acabam também por ter um sinistro papel de ajudar a compor a imagem que servirá de espelho ao bandido. Do mesmo modo que as bruxas, identificadas com as figuras que se dedicavam a Satanás nas crenças tão ricas em simbolismo e imaginação então enraizadas pela população, acabavam por confessar (muitas também pela tortura) crimes imaginários, os bandidos, auto identificados com estes personagens criados pelo preconceito e pelo medo (...) acabam por realizar as ações que se espera que realizem”. (Zaluar, 1994)

Toda essa lógica pode reforçar e legitimar a utilização de práticas violentas pela polícia, um dos poucos representantes do Estado nas favelas. Cria-se dessa forma, condições concretas e ideológicas para revigorar e justificar essa luta do bem contra o mal, da polícia contra bandidos/pobres, de uma classe contra a outra.

Essa violência que se deve evitar, é bom reforçar, não está só no enfrentamento ao tráfico, mas na ausência de políticas públicas, uma violência institucional que muitas vezes contribui para o surgimento de outros tipos de violência e que quase sempre é associada às camadas que tem seus direitos violados de forma mais intensa e que contraditoriamente são o foco principal das políticas de segurança pública já que são pensadas como as classes perigosas. Essa violência velada do estado não vira notícia nas capas dos jornais.

Outra questão importante de se abordar é quando o jornal dá ênfase à existência de uma guerra “santa” entre atores sociais, que possuem religiões diferenciadas em suas ideologias, na qual o bandido, ou o “mal” é do candomblé e a polícia, ou o bem, é protestante, corre-se o risco de reforçar a associação das religiões de matriz africana com o mal e a violência, estimulando o preconceito e a intolerância religiosa, numa cidade que tem nos cultos afros um dos seus pilares culturais.

É correto que traficantes sejam presos, posto que a prisão ainda é o modelo de punição aos crimes em nossa sociedade. É certo ainda que todo tipo de violência seja combatida, mas é preciso que a lei também alcance aqueles que estão ocultos, que estão à priori do lado da lei e que facilitam e compõe a engrenagem que alimenta esse tipo de atividade criminosa, na qual Júnior está inserido: o tráfico de drogas,  que movimenta bilhões e absorve milhares de jovens, ceifando a vida de outros tantos milhares.

Jovens como Júnior, que sofrem com a invisibilidade, que ocorre não só por questões materiais, econômicas, mas também afetivas ou culturais e, portanto não se limitam às classes mais pobres.
No caso de jovens das camadas mais vulneráveis, e aí poderíamos citar novamente Júnior, é difícil, não digo impossível, pensar em alguém que tenha por sonho ser bandido como relatado no jornal. 

Poderíamos sim entender essa “escolha” pensando no desemprego estrutural e nas novas exigências do mercado de trabalho que exclui cada vez mais jovens do mercado de trabalho. Um mercado baseado na lógica capitalista de exploração do trabalhador, determinado por relações de trabalho pautadas em baixos salários e submissão.

Essas relações trabalhistas, observadas e algumas vezes vivenciadas pelos jovens, não se constituem como modelos de sucesso e admiração que dignifiquem a classe trabalhadora. Nesse caso, o mundo do crime com seus símbolos de poder e virilidade muitas vezes é a possibilidade de empoderamento viável para a juventude que ingressa no crime.

O contexto de desproteção social também se associa à outros elementos como a corrupção policial e judicial, à fidelidade obrigada ao bando do qual se faz parte, à dependência química não tratada pela saúde pública à contento. Um mix de situações, que juntas conformam um sistema que coopta e aprisiona os jovens que estão na criminalidade, criando um círculo vicioso que aumenta os índices de violência e não combate a criminalidade.

Por fim gostaria ainda de refletir sobre um ponto exposto pela matéria do Correio da Bahia, que diz respeito ao silêncio da população que apoiaria Júnior por conveniência ou medo.

Essa interpretação da ligação de criminosos com a comunidade da qual fazem parte, gera uma identificação simbólica dos trabalhadores com os bandidos, colocando-os no patamar de aliados, e longe de explicar esta relação e contribuir para a democracia nas comunidades pobres, reforçam a associação entre pobreza e violência e a criminalização da pobreza.

Há sim uma diferenciação nas comunidades entre criminoso e trabalhador, entre bandido e polícia, embora esta, muitas vezes seja conivente e até parceira do crime. Não há na realidade, um acordo tácito e tranqüilo entre moradores e bandidos, há também o medo, a imposição do poder, através da ameaça da violência.

Essa realidade social é permeada pela violência, que “vem de todos os lados” e é estrutural. Não há aqui uma polaridade entre bem e mal. Há sim um sistema que subjuga os indivíduos.

Para se libertar, se emancipar existem algumas poucas possibilidades: uma através do conhecimento, e nisso as leituras de Marx subsidiaram e continuam a subsidiar a transformação da sociedade, contribuindo para uma realidade social mais justa. Outro caminho seria através da transgressão, da marginalização.

Talvez se Júnior tivesse tido outras oportunidades em sua vida, como alguns jovens daqui do Recôncavo tiveram a possibilidade e ingressar na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia em Cachoeira, as leituras que fez de Marx o tivessem ajudado a transformar a sociedade num mundo mais justo e menos violento. E você o que tem feito quanto a isso? Qual a sua contribuição para o nosso belo quadro social?








[1] Professora Assistente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Leciona as disciplinas de Direitos Humanos e Estágio Supervisionado em Serviço Social I e III. Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Violência, Gênero, Raça/Etnia da UFRB onde coordena a linha de pesquisa Violência e Direitos Humanos. Vice Líder do Grupo de Pesquisa Gênero, Raça e Subalternidade. Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense, Especialização em Serviço social e Saúde (UERJ), Especialização em Segurança Pública, Cultura e Cidadania (UFRJ - SENASP), Mestre em Estudos Populacionais e Pesquisa Social (ENCE/IBGE).
[3] O fenômeno da interiorização da violência foi observado ainda em 2005 no Mapa da Violência para o Estado de São Paulo e em 2006 no Mapa da Violência do país, sendo confirmado em 2008 com o Mapa da Violência dos municípios brasileiros e mais recentemente no Mapa da Violência de 2010 para todo o país.