sábado, 29 de agosto de 2015

Visibilidade lésbica e continuum lésbico: vamos avançar?



Simone Brandão

É perceptível que, a cada ano, o dia da visibilidade lésbica ganha mais notoriedade, basta fazer uma busca em  ferramentas da internet, como o Google, para observarmos que mais páginas tem abordado a data,  entretanto, quase sempre com o objetivo de  divulgar as programações de diversos Estados e municípios na comemoração do dia, seja com atividades promovidas pelo poder público ou pelo ativismo Lésbico e LGBT. Em número menor estão as postagens que procuram refletir sobre a importância da data e a sua contribuição no combate à lesbofobia, ao machismo e à heteronormatividade, situando a comemoração do dia da visibilidade lésbica como uma prática necessária à desestabilização da agenda conservadora da sociedade sobre a lesbianidade, que ignora a violência e exclusão sofridas por lésbicas cotidianamente.

Há um ano atrás publiquei  na internet um texto sobre a visibilidade lésbica,  onde, de início, eu contextualizava historicamente o processo de  autonomia das lésbicas no ativismo LGBT como um importante movimento de contraposição ao apagamento da existência lésbica na história, apagamento esse que é reiterado pelo tratamento dado à lesbianidade como um apêndice da questão homossexual , e não como uma pauta que tem peculiaridades e contornos próprios e que portanto não pode ser secundarizada na agenda LGBT. Tratei ainda da escassa produção acadêmica produzida por e sobre lésbicas e a importância de, nós lésbicas, assumirmos esse protagonismo, na medida em que de uma forma geral as produções sobre homossexualidade possuem um olhar masculino, invisibilizando a lesbianidade na agenda LGBT ou mesmo tratando-a de forma enviesada.

Acredito que hoje, em 29 de agosto de 2015, podemos comemorar a maior autonomia e o crescimento do movimento lésbico além do aumento das produções sobre lesbianidade, saberes construídos não só pela academia mas também pelo ativismo. Entretanto esse avanço ainda é lento e  pouco, mas poderia ser maior se conseguíssemos promover entre nós lésbicas a sororidade tão defendida e apregoada pelos ativismos feministas e lésbicos.
Adrienne Rich é uma autora feminista lésbica bastante citada não só nas produções acadêmicas sobre lesbianidade  mas também reconhecida como fonte de inspiração do ativismo lésbico. Penso que um de seus textos mais importantes e referenciados, inclusive por mim,  é “Heterossexualidade compulsória e existência lésbica”, especialmente porque Rich, para além de tratar do apagamento proposital da existência lésbica no pensamento feminista e na história, enquanto estratégia de manutenção da heterossexualidade -  que  a autora entende como uma “instituição política que retira o poder das mulheres” -   vai propor o continuum lésbico ou essa  grande gama de acontecimentos de identificação entre as mulheres , que não passa necessariamente pela aproximação erótica, e que é capaz de desestabilizar a heterocentricidade reproduzida nas diversas relações sociais e pensamentos, inclusive no feminismo e por que não também na lesbianidade.

Podemos comparar esse “continuum lésbico” com a sororidade e penso que apesar de nós lésbicas compreendermos a sua importância como um ato de resistência e de recusa das diferentes formas de opressão e preconceito como a lesbofobia, o machismo, o sexismo, o racismo e misoginia, ainda estamos longe de exercitar essa identificação tão necessária à nossa existência política.

Criticamos o nosso apagamento, presente em diversas âmbitos, inclusive aquele que nos consideramos incluídas, mas quantas vezes nos apagamos e nos excluímos mutuamente, reforçando a perspectiva gay-masculina-branca -patriarcal presente desde os espaços de ativismo e acadêmicos que estamos inseridas e que se propõe a discutir e promover as subalternidades , especialmente dos segmentos LGBT, mas que na verdade elegem suas preferências e promovem hierarquias, tão criticadas em seus discursos anti colonialistas.


Apesar do sentimento de pertencimento à grupos vinculados à questão LGBT ou lésbica não podemos cegar diante de suas fragilidades, sob pena de não avançarmos na promoção da nossa visibilidade e no enfrentamento da lesbofobia, precisamos (nos) questionar sempre. Precisamos encarar a rivalidade, competitividade, auto promoção  e super valorização de projetos solos em detrimento de projetos coletivos ainda presentes nos grupos acadêmicos e de ativismos LGBT e Lésbicos, transformando a tão desejada sororidade ou o continuum lésbico em uma quimera. As diferenças de pensamentos ideológicos e políticos existem e podemos crescer com elas e tornar a luta mais forte, entretanto quando não há maturidade e há excesso de individualidade e vaidade o que conseguimos é fragmentar ainda mais o debate,  segregando quem já é historicamente abjetificadx  e portanto excluídx.  Como desestabilizar a opressão se reforçamos o círculo onde a pessoa oprimida também oprime?

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