CACHOEIRA: MUITOS CONES E NENHUMA
LIXEIRA
Simone Brandão
Nunca na história de Cachoeira se
viu tanto cone nas ruas!
Algumas pessoas podem retrucar a tal
observação afirmando: “mas isso é necessário para organizar o trânsito, já que
a desordem sempre imperou, com carros, motos, bicicletas, ônibus, caminhões,
vans, animais disputando espaço nas ruas e vielas, estacionando em locais
impróprios, realizando manobras proibidas, circulando pela contramão”
Nem sempre foi assim!
As ruas estreitas e históricas da
cidade foram projetadas em tempos em que o transporte era realizado utilizando-se
prioritariamente animais e que não se planejava o espaço urbano prevendo-se a
modernização dos transportes e proliferação de automóveis e motocicletas,
ocasionada pela ineficiência do transporte de massa. Aliás, também não se
previa o aumento populacional que se teve ao longo dos tempos.
E os cones e eu com isso?
A organização do trânsito é
necessária, mas a educação no trânsito também. E os cones parecem assumir lugar
onde falta planejamento e educação. A organização do trânsito e dos espaços
públicos pode acontecer se a educação da população for promovida através de
campanha em rádios, nas escolas, no comércio, por meio de divulgação de material
informativo, realizando reuniões
públicas, dentre outras iniciativas educativas que poderiam envolver os
cidadãos, de forma a despertar uma consciência sobre a necessidade de se
organizar e respeitar o trânsito em Cachoeira para que haja maior fluidez nas
ruas.
Então esse monte de cones seria dispensável...
Nesse sentido, poder-se-ia
investir todo o dinheiro utilizado na compra de tantos cones, na aquisição de
lixeiras para a cidade. Afinal, de que adianta ruas livres e fluidas, se ao
transitar nos deparamos o tempo todo com lixo pelas ruas de Cachoeira? E não
adianta culpar o cidadão apenas, porque por mais que sejamos educados e desejemos
jogar o lixo em lixeiras, não as encontramos pela cidade.
O filme “Uma amizade sem
fronteiras”, de François Dupeyron, conta a história de Ibrahim (Omar Sharif) um
homem idoso e muçulmano que é dono de uma
mercearia em Paris e fica amigo de Momo (Pierre Boulager), um garoto judeu pobre,
de 13 anos, que é abandonado pelo pai. Ibrahim decide adotar momo e se tornam
cada vez mais amigos, especialmente quando ensina para o garoto o Alcorão, livro
sagrado dos muçulmanos. Esse belíssimo filme para além de discutir a superação
dos conflitos e diferenças entre muçulmanos e judeus, vai tratar de outras
expressões da questão social, entre elas os problemas de classe social, e numa
viagem realizada pelos personagens por lugares como Albânia e outros países,
Ibrahim sinaliza para Momo, como em lugares pobres não existem lixeiras.
Então como querer acompanhar o
crescimento e evolução que Cachoeira teve nos últimos anos sem investir em
ações básicas para a limpeza urbana, como a colocação de lixeiras pela cidade? Para
ir além do cuidado que o poder público deve ter com os cidadãos de Cachoeira: Como
promover o turismo, numa cidade que não preza pela limpeza e nem trata do seu
lixo? Cidades com número populacional inferior ao de Cachoeira e com potencial
turístico menor, como Conceição da Feira já estão equipadas com lixeiras padrão
pela cidade. Por que no município de Cachoeira,
em pleno 2013, ainda não há essa consciência e esse investimento do governo?
Aliás, percebemos que os cidadãos
de Cachoeira possuem mais consciência do que a própria prefeitura sobre a
importância de se manter a cidade limpa. Incluímos aí o Rio Paraguaçu e suas
margens, haja vista os mutirões realizados recentemente pelos cidadãos
organizados visando a limpeza das margens do rio. Considerando-se que tal
atividade tenha contado com algum apoio da prefeitura, o protagonismo foi da
população, quando deveria ser do poder público.
O fato é que, tão ou mais
importante que limpar as margens do rio, é evitar que esse lixo seja jogado no
rio e para isso é preciso educação ambiental e adoção de outras medidas
práticas como a compra de lixeiras para Cachoeira, colocando-as não apenas no
centro da cidade mas também nos bairros periféricos que sofrem com o problema
do lixo, talvez mais do que o centro da cidade.
Sabemos que lixo não tem classe
social, embora as pesquisas mostrem que as cidades e países mais “desenvolvidos”
produzem mais lixo. Por outro lado, a coleta de lixo também se dá de forma
diferenciada em bairros mais pobres ou mais ricos. Nas cidades grandes, por
exemplo, a coleta seletiva de lixo acontece prioritariamente, quando não
exclusivamente, nos bairros centrais e de classe alta, enquanto que os bairros
pobres e favelas não usufruem do mesmo serviço.
Em Cachoeira, também vemos ser
reproduzida essa lógica na qual os serviços são oferecidos aos cidadãos de
forma diferenciada conforme sua classe social: enquanto nas ruas mais centrais
a coleta de lixo acontece duas vezes por dia, nas localidades como Cucuí de
Cosme e adjacências a realidade é outra!
É preciso, portanto, se criar
políticas que deem conta do ordenamento urbano, incluindo aí a organização do
trânsito, a limpeza das ruas, seja através da colocação de lixeiras, da educação
ambiental e educação no trânsito.
A verdade é que o processo de
ordenamento urbano, a partir da organização do trânsito e da limpeza da cidade
deve se dar de forma ampla e não apenas de cima para baixo, onde cones tentam substituir
a autoridade pública e cidadãos são responsabilizados pela manutenção da cidade
limpa. O que estamos querendo chamar a atenção é para a necessidade de enraizamento, no próprio processo de
socialização, ou nas práticas sociais dos indivíduos e instituições, de valores
que podem ser consolidados a partir da
educação permanente e da promoção de ações, também continuadas, convergindo
para uma cidade com maior qualidade de vida e menos desigualdades.
Essa educação deve ser entendida
como um processo de mão dupla, participativo e construtivo, valorizando o saber
popular, envolvendo os indivíduos num objetivo que seja seu, mas também da
cidade. Deve ter uma perspectiva dialética, de reconhecimento da historicidade
e das contradições da vida social, buscando compreender os fenômenos e essa
mesma vida social na sua totalidade, e por fim negar e superar uma determinada
ordem – nesse caso o caos urbano que deve ser compreendido historicamente,
reconhecendo os sujeitos envolvidos, as contradições inerentes, os fatores determinantes,
de forma a se negar essa realidade que está posta e transformá-la coletivamente.
Na prática, é preciso se ter consciência
que “ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam
entre si, mediatizados pelo mundo” (Freire, 2005). Então, é o diálogo, como centralidade da
educação e como prática da liberdade, que vai potencializar os indivíduos como
agentes transformadores da realidade que estão inseridos.
Para além do processo de educação
é preciso visão e vontade política dos governos, na superação dos problemas das
cidades. Ainda dentro da crítica que tecemos sobre a questão do lixo e numa
perspectiva propositiva, para além da aquisição das lixeiras para a cidade e da
educação continuada em diversos espaços, como escola, rádio, jornais, material
informativo, o lixo poderia ser não apenas um problema, mas a solução para várias
expressões da questão social, como o desemprego, ou a inclusão de jovens, mulheres
e outros segmentos em atividades produtivas.
A UFRB vem estabelecendo diversas
parcerias nas cidades onde se instalou e no Recôncavo, de uma forma geral e
nesse sentido a prefeitura poderia construir projetos conjuntos que
trabalhassem a educação ambiental, a coleta seletiva, e construção de espaços
de beneficiamento de lixo e produção de produtos a partir da reciclagem. Tais
iniciativas viriam em conjunto com a criação de cooperativas de trabalhadores
em reciclagem e comercialização de produtos reciclados.
Plásticos podem ser reciclados.
Cones são feitos de plásticos, assim como as lixeiras. Quem sabe não possamos,
lá na frente, produzir cones e comercializá-los ao invés de compra-los para
substituir políticas mais amplas que devem dar conta de problemas como o caos no trânsito e a limpeza urbana?
Referências Bibliográficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia do
Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
QUINTANEIRO, Tânia. Et al. Um
toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
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