Simone Brandão
É perceptível
que, a cada ano, o dia da visibilidade lésbica ganha mais notoriedade, basta
fazer uma busca em ferramentas da
internet, como o Google, para observarmos que mais páginas tem abordado a data,
entretanto, quase sempre com o objetivo
de divulgar as programações de diversos Estados
e municípios na comemoração do dia, seja com atividades promovidas pelo poder
público ou pelo ativismo Lésbico e LGBT. Em número menor estão as postagens que
procuram refletir sobre a importância da data e a sua contribuição no combate à
lesbofobia, ao machismo e à heteronormatividade, situando a comemoração do dia
da visibilidade lésbica como uma prática necessária à desestabilização da
agenda conservadora da sociedade sobre a lesbianidade, que ignora a violência e
exclusão sofridas por lésbicas cotidianamente.
Há
um ano atrás publiquei na internet um
texto sobre a visibilidade lésbica, onde,
de início, eu contextualizava historicamente o processo de autonomia das lésbicas no ativismo LGBT como
um importante movimento de contraposição ao apagamento da existência lésbica na
história, apagamento esse que é reiterado pelo tratamento dado à lesbianidade
como um apêndice da questão homossexual , e não como uma pauta que tem
peculiaridades e contornos próprios e que portanto não pode ser secundarizada
na agenda LGBT. Tratei ainda da escassa produção acadêmica produzida por e
sobre lésbicas e a importância de, nós lésbicas, assumirmos esse protagonismo,
na medida em que de uma forma geral as produções sobre homossexualidade possuem
um olhar masculino, invisibilizando a lesbianidade na agenda LGBT ou mesmo
tratando-a de forma enviesada.
Acredito
que hoje, em 29 de agosto de 2015, podemos comemorar a maior autonomia e o
crescimento do movimento lésbico além do aumento das produções sobre lesbianidade,
saberes construídos não só pela academia mas também pelo ativismo. Entretanto esse
avanço ainda é lento e pouco, mas
poderia ser maior se conseguíssemos promover entre nós lésbicas a sororidade
tão defendida e apregoada pelos ativismos feministas e lésbicos.
Adrienne
Rich é uma autora feminista lésbica bastante citada não só nas produções acadêmicas
sobre lesbianidade mas também
reconhecida como fonte de inspiração do ativismo lésbico. Penso que um de seus
textos mais importantes e referenciados, inclusive por mim, é “Heterossexualidade compulsória e existência
lésbica”, especialmente porque Rich, para além de tratar do apagamento proposital
da existência lésbica no pensamento feminista e na história, enquanto estratégia
de manutenção da heterossexualidade - que
a autora entende como uma “instituição
política que retira o poder das mulheres” - vai propor o continuum lésbico ou essa grande gama de acontecimentos de identificação
entre as mulheres , que não passa necessariamente pela aproximação erótica, e
que é capaz de desestabilizar a heterocentricidade reproduzida nas diversas relações
sociais e pensamentos, inclusive no feminismo e por que não também na
lesbianidade.
Podemos
comparar esse “continuum lésbico” com a sororidade e penso que apesar de nós
lésbicas compreendermos a sua importância como um ato de resistência e de
recusa das diferentes formas de opressão e preconceito como a lesbofobia, o
machismo, o sexismo, o racismo e misoginia, ainda estamos longe de exercitar
essa identificação tão necessária à nossa existência política.
Criticamos
o nosso apagamento, presente em diversas âmbitos, inclusive aquele que nos
consideramos incluídas, mas quantas vezes nos apagamos e nos excluímos
mutuamente, reforçando a perspectiva gay-masculina-branca -patriarcal presente
desde os espaços de ativismo e acadêmicos que estamos inseridas e que se propõe
a discutir e promover as subalternidades , especialmente dos segmentos LGBT,
mas que na verdade elegem suas preferências e promovem hierarquias, tão criticadas
em seus discursos anti colonialistas.
Apesar
do sentimento de pertencimento à grupos vinculados à questão LGBT ou lésbica não
podemos cegar diante de suas fragilidades, sob pena de não avançarmos na
promoção da nossa visibilidade e no enfrentamento da lesbofobia, precisamos
(nos) questionar sempre. Precisamos encarar a rivalidade, competitividade, auto
promoção e super valorização de projetos
solos em detrimento de projetos coletivos ainda presentes nos grupos acadêmicos
e de ativismos LGBT e Lésbicos, transformando a tão desejada sororidade ou o
continuum lésbico em uma quimera. As diferenças de pensamentos ideológicos e
políticos existem e podemos crescer com elas e tornar a luta mais forte,
entretanto quando não há maturidade e há excesso de individualidade e vaidade o
que conseguimos é fragmentar ainda mais o debate, segregando quem já é historicamente abjetificadx e portanto excluídx. Como desestabilizar a opressão se reforçamos o
círculo onde a pessoa oprimida também oprime?