Tenho visto, após a morte de Cláudia no Rio de Janeiro e com
os ataques às UPP's no Rio de Janeiro, algumas postagens no Facebook, perguntando pelos “Direitos
Humanos”, reforçando aquele velho discurso que os direitos humanos são apenas
para as vítimas das ações policiais e não para os policiais.
Primeiro precisamos pensar que os Direitos humanos não resultam de uma
concessão da sociedade política, mas são direitos que a sociedade política tem
o dever de reconhecer e garantir, conforme sinaliza Herkenhoff (2003) e que
foram conquistados ao longo dos tempos, portanto todas as pessoas,
independentemente de sua condição étnico-racial, econômica, social, de gênero
ou criminal são sujeitas e detentoras
dos direitos humanos. Portanto se eu tenho direito a vida, o outro tem o dever de
preservar a minha vida. Os direitos são universais.
A
crítica conservadora aos direitos humanos, no entanto, se mistura um pouco com o senso comum e entende os DH como privilégios legitimados.
Ora, quando não se entende os direitos como universais,
começa-se a interpretá-los como privilégios e a agir para garantir privilégios
ou negar os direitos que se entende como privilégios.
Então Setores da mídia, da própria
sociedade e agentes políticos encampam e reproduzem o discurso de que os
direitos humanos ignoram as vítimas e que por isso não pensam no conjunto bom
da sociedade.
Nessa lógica conservadora, que é também
punitiva, a convivência se faz pela violência, e aí começa-se a dizer que existe uma separação entre direitos
de bandidos e direitos de pessoas corretas criando-se um processo de
legitimação da violência contra esses segmentos, seja, por exemplo em relação à
presos, seja relativo aqueles suspeitos de serem criminosos. Isso também
legitima o endurecimento de leis ou o tratamento de expressões da questão
social com mais violência.
Então, na visão conservadora, a ordem só
é possível, a partir da violência ou de práticas antidemocráticas, visto que as
leis são consideradas insuficientes ou “coniventes” com os atos criminosos.
Essa é a lógica que os segmentos mais
conservadores tem dos direitos humanos: que esses direitos seriam apenas para
humanos considerados direitos e não para todos os seres humanos, e com isso o
próprio Estado viola os direitos, quando age de forma discricionária e nega
determinados direitos a determinadas parcelas da população.
O que precisamos entender de uma vez por todas é que os
DH são padrões de referência na vida civilizada, e que também expressam e
traduzem os diferentes níveis de cidadania e não são os direitos “dos humanos direitos”, mas todos os direitos de todo ser
humano, como diz Dahmer e Vinagre (2007).
Os direitos humanos buscam, na verdade, defender a pessoa
humana não de um indivíduo qualquer isolado, mas do exercício abusivo do poder,
principalmente das instituições do poder político, econômico, social e
cultural.
Quando se fala que os “direitos humanos defendem os
bandidos e não a polícia” , na verdade essa visão do senso comum não percebe
que o foco dos direitos humanos aí é a relação de conflito que se dá entre: pessoa
humana (criminoso) X Estado ( polícia) no sentido de se evitar abusos de poder
(torturas, prisões ilegais) do Estado com essa pessoa humana (mesmo
consideradas criminosas).
"Podemos dizer que existe uma questão de DH quando há uma relação de poder
que gera desigualdade e discriminação, e a parte vulnerabilizada é
discriminada, submetida, forçada abusivamente aos interesses/vontade da outra
parte. EX:homem X mulher (relações de gênero), adulto X criança, Branco X
negro, rico X pobre, Hétero X homo, pessoa não deficiente X deficiente, jovem X
idoso, pessoa humana X outras espécies" (Borges, 2006)
Na verdade os DH não regem relações entre iguais, apesar
da pressuposição de igualdade entre os indivíduos, mas opera em defesa dos
vulnerabilizados nas relações de poder e têm se movido na história impulsionado
pela mobilização da sociedade civil contra todos os tipos de dominação,
exclusão e repressão.
O que vemos no momento é a morte de uma mulher, pobre,
negra trabalhadora ocasionada pela ação de policiais que representam o Estado e
que na relação de poder com a sociedade, ou com o cidadão, seja ele criminoso
ou não, tem mostrado que há uma grande desigualdade, onde esse braço do Estado
tem pesado a sua mão, traduzindo-se nos números de mortes resultantes das
ações de policias como aqueles envolvidos na morte de Cláudia. Talvez os ataques às UPPs
sejam uma tentativa, dessa comunidade restituir esse poder, pois é também na ausência do poder que a violência
tem solo fértil para se propagar.
Referências Bibliográficas
ARENDT. Hannah. Sobre a Violência. Tradução de André Duarte. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad.
Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1992.
BORGES, Alci Marcus Ribeiro. Direitos Humanos: conceitos e preconceitos. Jus Navigandi. Teresina, ano 11, n.1248, 2006.
PEREIRA, T.M. Dahmer e VINAGRE, M. Ética e
direitos humanos. Curso de capacitação ética para agentes multiplicadores,
caderno quatro. Brasília; CFESS, 2007.
Nenhum comentário:
Postar um comentário