quinta-feira, 20 de março de 2014

Direitos Humanos para quem?

Tenho visto, após a morte de Cláudia no Rio de Janeiro e com os ataques às UPP's no Rio de Janeiro, algumas postagens no Facebook, perguntando pelos “Direitos Humanos”, reforçando aquele velho discurso que os direitos humanos são apenas para as vítimas das ações policiais e não para os policiais.

Primeiro precisamos pensar que os Direitos humanos não resultam de uma concessão da sociedade política, mas são direitos que a sociedade política tem o dever de reconhecer  e garantir, conforme sinaliza Herkenhoff (2003) e que foram conquistados ao longo dos tempos, portanto todas as pessoas, independentemente de sua condição étnico-racial, econômica, social, de gênero ou  criminal são sujeitas e detentoras dos direitos humanos. Portanto se eu  tenho direito a vida, o outro tem o dever de preservar a minha vida. Os direitos são universais.

A  crítica conservadora aos direitos humanos, no entanto,  se mistura um pouco com o senso comum e  entende os DH como  privilégios legitimados.

Ora, quando  não se entende os direitos como universais, começa-se a interpretá-los como privilégios e a agir para garantir privilégios ou negar os direitos que se entende como privilégios.

Então Setores da mídia, da própria sociedade e agentes políticos encampam e reproduzem o discurso de que os direitos humanos ignoram as vítimas e que por isso não pensam no conjunto bom da sociedade.

Nessa lógica conservadora, que é também punitiva, a convivência se faz pela violência, e aí começa-se a  dizer que existe uma separação entre direitos de bandidos e direitos de pessoas corretas criando-se um processo de legitimação da violência contra esses segmentos, seja, por exemplo em relação à presos, seja relativo aqueles suspeitos de serem criminosos. Isso também legitima o endurecimento de leis ou o tratamento de expressões da questão social com mais violência.

Então, na visão conservadora, a ordem só é possível, a partir da violência ou de práticas antidemocráticas, visto que as leis são consideradas insuficientes ou “coniventes” com os atos criminosos.

Essa é a lógica que os segmentos mais conservadores tem dos direitos humanos: que esses direitos seriam apenas para humanos considerados direitos e não para todos os seres humanos, e com isso o próprio Estado viola os direitos, quando age de forma discricionária e nega determinados direitos a determinadas parcelas da população.

O que precisamos entender de uma vez por todas é que os DH são padrões de referência na vida civilizada, e que também expressam e traduzem os diferentes níveis de cidadania e não são os direitos “dos humanos direitos”, mas todos os direitos de todo ser humano, como diz Dahmer e Vinagre (2007).

Os direitos humanos buscam, na verdade, defender a pessoa humana não de um indivíduo qualquer isolado, mas do exercício abusivo do poder, principalmente das instituições do poder político, econômico, social e cultural.

Quando se fala que os “direitos humanos defendem os bandidos e não a polícia” , na verdade essa visão do senso comum não percebe que o foco dos direitos humanos aí é a relação de conflito que se dá entre: pessoa humana (criminoso) X Estado ( polícia) no sentido de se evitar abusos de poder (torturas, prisões ilegais) do Estado com essa pessoa humana (mesmo consideradas criminosas).


"Podemos dizer que existe uma questão de DH quando há uma relação de poder que gera desigualdade e discriminação, e a parte vulnerabilizada é discriminada, submetida, forçada abusivamente aos interesses/vontade da outra parte. EX:homem X mulher (relações de gênero), adulto X criança, Branco X negro, rico X pobre, Hétero X homo, pessoa não deficiente X deficiente, jovem X idoso, pessoa humana X outras espécies" (Borges, 2006)


Na verdade os DH não regem relações entre iguais, apesar da pressuposição de igualdade entre os indivíduos, mas opera em defesa dos vulnerabilizados nas relações de poder e têm se movido na história impulsionado pela mobilização da sociedade civil contra todos os tipos de dominação, exclusão e repressão.


O que vemos no momento é a morte de uma mulher, pobre, negra trabalhadora ocasionada pela ação de policiais que representam o Estado e que na relação de poder com a sociedade, ou com o cidadão, seja ele criminoso ou não, tem mostrado que há uma grande desigualdade, onde esse braço do Estado tem pesado a sua mão, traduzindo-se nos números de mortes resultantes das ações de policias como aqueles envolvidos na morte de Cláudia. Talvez os ataques às UPPs sejam uma tentativa, dessa comunidade restituir esse poder, pois  é também na ausência do poder que a violência tem solo fértil para se propagar.


Referências Bibliográficas


ARENDT. Hannah. Sobre a Violência. Tradução de André Duarte. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1992.

BORGES, Alci Marcus Ribeiro. Direitos Humanos: conceitos e preconceitos. Jus Navigandi. Teresina, ano 11, n.1248, 2006.

PEREIRA, T.M. Dahmer e VINAGRE, M. Ética e direitos humanos. Curso de capacitação ética para agentes multiplicadores, caderno quatro. Brasília; CFESS, 2007.

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