É impossível aceitar a emissora Globo com seu
discurso que reforça o mais Estado penal, mas nunca reivindica o mais Estado social! Vi
isso hoje na Globo News com Leilane Neubarth num debate com Breno, jurista do Rio de Janeiro, analisando a morte de DG no Morro Pavão Pavãozinho em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, e a relação dessa morte com o tiroteio entre policiais e o bando
de traficantes liderados por Pitbull, um traficante, que estava foragido desde
2013 quando foi beneficiado por visitas periódicas ao lar.
A jornalista pergunta ao jurista
quais os critérios para esse benefício e quem o concede, e é esclarecida pelo jurista que o mesmo é
concedido pelo juiz mediante informações prestadas pelos diretores das unidades prisionais, baseado em
bom comportamento durante cumprimento da pena e existência de família com
endereço fixo que se comprometa com essa medida de progressiva inserção social.
Ele explica ainda, que a pena privativa de liberdade é progressiva, ou seja vai
do regime fechado ao aberto, passando pelo semi-aberto e que tem por pressuposto garantir que a
reinserção do preso na sociedade seja gradativa, o que se converte em benefício para o preso
e para a sociedade.
Leilane continua suas inquisições
questionando a concessão do benefício, querendo responsabilizar o juiz, o diretor
e sugerindo que a lei deve ser mais dura, ou seja, que ao preso deve ser negado qualquer benefício
se este for entendido como um chefe do tráfico, por exemplo. O Jurista explica que para
casos de presos considerados líderes já existe o RDD – Regime Disciplinar
Diferenciado – bastante rígido e que, portanto, só se pode permanecer
no mesmo por um ano, e que toda pena um período cessa, tem fim, e que nosso sistema penal é progressivo, o que
é bom pois permite ao sujeito ir se readaptando à vida em sociedade aos poucos.
Talvez fosse interessante que o jurista fizesse um resgate para Leilane, contando um pouco da história das prisões e contextualizado a prisão hoje, seus objetivos e os dilemas da reinserção social. Lamentavelmente ele não fez, mas tentarei brevemente situar essas informações aqui.
Na verdade se remontarmos a história do surgimento das prisões veremos
que essa instituição, através de suas normatizações, objetivava não só punir os
criminosos, a partir de uma lógica moral de retribuição do mal causado, mas
produzir, através do castigo, homens dóceis para servir ao sistema
capitalista, já que uma forma de punição, além da perda da liberdade, era o
trabalho forçado de forma a tornar esses indivíduos uma massa de pessoas
subservientes para vender barato sua mão de obra de forma a expandir o capitalismo,
através do trabalho alienado.
Então podemos dizer que historicamente a prisão é uma produção social, é um mandato da sociedade, e a relação de custódia representa os
interesses dessa sociedade e da sua moral.
A gente pode afirmar também que, a função
social da prisão deveria ser, hoje, a
redução da violência, a redução da
criminalidade e não somente a punição do criminoso ou a retirada desse
criminoso do convívio social. Entretanto, a função social da prisão que não é falada,
que é velada, mas que serve ao sistema é custodiar os “sobrantes” do mercado de
trabalho.
Esses sobrantes como diz Loic Wacquant (1997) em "As Prisões da Miséria" é
aquela massa de indivíduos que na lógica da criminalização da pobreza, própria
do modelo neoliberal, é tida como a classe perigosa, por sua aparência, pelos
locais que reside e pelo grupo social que faz parte. São aqueles que o mercado de trabalho
hoje, por usa configuração e exigências, não absorve e que depois de anos na prisão
vão se tornar ainda mais inempregáveis, pois estão completamente obsoletos em relação às expectativas do mercado.
Nesta lógica da criminalização da
pobreza, diminui-se o estado social, ou desinveste-se nas políticas públicas e investe-se no estado penal. De que forma? Através da construção de mais
presídios, do armamento das polícias ávidas no combate dos indivíduos das
classes perigosas, do aumento do aprisionamento e do recrudescimento das leis.
Hoje, nesse cenário sombrio do sistema prisional, a proposta de "ressocialização" da prisão é uma falácia pois como afirma Baratta (1990)" “Tratamento” e “ressocialização” pressupõem uma postura passiva do detento e ativa das instituições: são heranças anacrônicas da velha criminologia positivista que tinha o condenado como um indivíduo anormal e inferior que precisava ser (re)adaptado à sociedade, considerando acriticamente esta como “boa” e aquele como “mau”", então nessa lógica funcionalista/positivista a socialização que os indivíduos tiveram é negada, rechaçada, já que é considerada equivocada se comparada a um modelo burguês de socialização que, se pressupõe, seja o ideal. Por esse sentido ideológico que a ressocialização possui e pelas práticas que a prisão estabelece, priorizando a ordem interna e a segurança externa em detrimento de atividades de reinserção social, é que "a prisão não pode produzir resultados úteis para a ressocialização do sentenciado mas (...) ao contrário, impõe condições negativas a esse objetivo” .
"O sistema prisional deve, portanto, propiciar aos presos uma série de benefícios que vão desde instrução, inclusive profissional, até assistência médica e psicológica para proporcionar-lhes uma oportunidade de reintegração e não mais como um aspecto da disciplina carcerária – compensando, dessa forma, situações de carência e privação, quase sempre freqüentes na história de vida dos sentenciados, antes de seu ingresso na senda do crime." (BAratta, 1990)
Pensando sobre todas essas questões e retomando o programa da Globo News é muito interessante perceber como se questiona o tempo
todo a concessão de benefícios (que são direitos, que é lei) para presos, como
se reforça o tempo todo a necessidade de endurecer penas e leis, mas ninguém (a
mídia, especialmente) questiona ou critica de que forma o sistema prisional promove a
reinserção social dos presos, se a política penitenciária de fato procura “recuperar”
o preso no sentido de promover práticas de possibilitem esse retorno à
sociedade de forma digna e fora da criminalidade.
Eu digo que não! Que não existe política
penitenciária para esse fim, que o Estado não consegue recuperar ninguém porque
não há investimento nessa recuperação, não há políticas que objetivem esse fim,
a prisão é apenas violência e violação
de direitos. A sociedade por sua vez é refratária à reinserção dessas pessoas.
Quem lhes dá oportunidade quando saem da prisão? Quase ninguém! E, para além
disso, existe um mercado enorme legal que lucra com a criminalidade e com as
prisões: quem as constrói, fornece comidas, fardamentos, armamentos,
equipamentos de segurança, segurança patrimonial, administração de cadeias
privatizadas, e por aí vai...isso ninguém toca, isso ninguém questiona ou se
mobiliza para mudar.
Enquanto esse pensamento pequeno burguês permanecer a
criminalidade não vai diminuir e outras vítimas como DG continuarão a existir.
"Redefinir os conceitos tradicionais de tratamento e ressocialização, em termos do exercício dos direitos das pessoas presas, e em termos de benefícios e oportunidades de trabalho -- inclusive na sociedade -- que são proporcionadas a elas, depois do cumprimento da pena, por parte das instituições e comunidade, ao nosso ver, constitui um núcleo importante da construção de uma teoria e uma prática novas da reintegração dos apenados, de acordo com uma interpretação dos princípios e das normas constitucionais e internacionais sobre a pena." (Baratta, 1990)
Referências Bibliográficas
BARATTA, Alessandro.
Ressocialização ou Controle Social: Uma abordagem crítica da “reintegração
social” do sentenciado. Alemanha Federal. Disponível em:
www.eap.sp.gov.br/pdf/ressocializacao.pdf.
WACQUANT, L. “Proscritos da cidade: estigma e divisão social no gueto americano e na periferia urbana francesa”. In: Novos Estudos CEBRAP. n.º 43. 1997
______. As prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Zahar , 2001.